Sobre a obra Cuidados Paliativos Pediátricos - 1ª Ed - 2022
“Eu vou morrer? A primeira vez que uma criança me perguntou isso, achei que quem fosse morrer seria eu.
O que eu falo? Digo que todos nós vamos morrer um dia, ignorando sua inteligência e nosso vínculo de sinceridade? Respondo que sim, você está morrendo e vou contra a postura adotada pela família? Se ela souber que está morrendo será que vai desistir? Ou sou eu quem não desiste de tê-la viva por aqui?
Não respondi e ela morreu. Muitos anos, perguntas e mortes depois, ainda me sinto insegura sobre o que responder. Mesmo sabendo que a gente pode devolver a pergunta: o que você acha? o que você está sentindo? Aprendi que perguntamos quando estamos preparados para saber a resposta. Eu nunca estive. Por enquanto.
Nós achamos que devemos proteger as crianças e acabamos omitindo e escondendo informações delas e sobre elas. As crianças são donas dos seus corpos, elas sentem, elas veem, elas muitas vezes precisam saber o que está acontecendo para poder compreender. Vavá, minha melhor amiga de 13 anos, estava com uma dor nova e não entendia, pensou em várias possibilidades, até que ao sair os exames, Cris, sua mãe, contou que tinha uma metástase ali. Todos nós com aquele nó na garganta e medo de contar e Vavá: ‘Ahhhh! Agora sim, entendi por que estou com essa dor.’ O que estava nos afligindo, a aliviou.
(...)
Por isso é tão importante falar sobre Cuidados Paliativos. Por isso é tão essencial termos Cuidados Paliativos Pediátricos. Afinal, não só a maneira de tratar, mas a maneira de falar também é diferente. E quando falamos e fazemos para as crianças e adolescentes, eles se identificam, se engajam e se empoderam. Zé, meu amigo de 7 anos, sempre perguntava para as outras crianças qual o tipo de câncer delas e as que não sabiam o que isso significava, ele explicava. Zé sempre rezou, mas nunca pediu sua cura, pedia sempre amor, e foi rodeado dele até o fim de sua vida.
São muitas experiências e dilemas no nosso dia a dia, e um livro que nos dê conhecimento jurídico e suporte para defender a melhor qualidade de vida e, porque não, qualidade de morte para nossas crianças e adolescentes é imprescindível. Aninha, minha amiga de 40 anos, sempre cantava em suas internações: “Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita e é bonita”. E eu tenho levado para a minha: sempre que uma criança me pergunta, tento responder com a pureza”.
Trecho do prefácio de Simone Lehwess Mozzilli
Formada em Comunicação Social (FAAP), pós-graduada em Tecnologia da Informação (USP) e Medicina Integrativa (Einstein), especializada em Cuidados Paliativos (Casa do Cuidar) e Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Enfermagem (USP). Sóciafundadora e presidente do Beaba