As culturas juvenis não cabem em pesquisas jornalísticas ou em abordagens generalistas. Fluidas e cambiantes, transbordam pelos poros da metrópole, organismo vivo a respirar no retorcer de um caleidoscópio de multivíduos. Não há como apreendê-las nem rotulá-las. Como encerrar em taxonomias socioantropológicas o que é naturalmente vário, fragmentado, policromo? Como fixar em tabelas o que é móvel e fugidio?Neste livro o autor reinvindica “uma espontaneidade metodológica polifônica que vai de encontro a todo rigor formal monológico, a toda e qualquer moral holística pensativa, a toda e qualquer implacável estatística”. Na contramão do discurso científico, “instrumento para obter financiamentos, fazer carreira, falar em nome de”, ele adota a metodologia do “gozo da diferença”.É isso o que lhe permite frequentar interzonas urbanas nas quais estabelece um fluxo comunicacional direto com os sujeitos, jamais objetos. Rave, piercing, techno, tatuagem, bodyscape, cut-up, ciberespaço, fanzine, videoarte — a cultura líquida escorre pelos desvãos da cidade, despercebida entre as grades enferrujadas do método acadêmico centralizado. Em vez de tipologias, o que interessa a Canevacci são “as zonas limítrofes, os espaços vazios, os desafios panoramáticos, os atravessamentos”.O ultrapasse é a ferramenta da afirmação autônoma dos jovens no mundo: na vertigem de uma infinidade de novos signos, a linguagem é levada a territórios ulteriores aos léxicos institucionais; na urgência de trilhar um caminho sem lhe saber o fim, a história é o vórtice do presente. A amnésia, também líquida, não é perda, e sim libertação dos grilhões do passado — inova e movimenta, ao passo que a memória ordena e paralisa. Sem porto de partida ou de chegada, os jovens singram seu itinerário lançando a âncora ao vento. Intermináveis, clandestinos, passageiros.