Confesso que me assustei com esta obra. Esperava uma leitura pausada, serena, mas erudita e difícil, como às vezes a própria figura de Antônio Hespanhol me parece. Só que aí me deparei com whey protein, Baudelaire, Curitiba, Exu e Derivadas em um pouco mais de cem páginas de uma peça. De certo modo, invejo sua engenharia léxica, transitando entre mundos opostos, de Camões a Safadão, com a leveza de quem pede uma gelada em algum canto da Savassi ou de Ouro Preto. Então, ao terminar de ler suas páginas, não consegui encaixar autor e obra em um tipo estático de texto. Tudo permanece um só, mesmo com o passar do tempo. Mas em movimento, com luz, som, plasticidade, personagens de diversas faixas etárias e referências, do clássico ao popular, de Rio Piracicaba a Belo Horizonte. Antônio Hespanhol não parou na provocação das minhas lembranças e vaidades. Ele inseriu na história uma personagem a quem me afeiçoei já na Cena I do Primeiro Ato: Ana Clara, uma moça meio ranzinza, muitas vezes ácida e esnobe, conhecedora das intenções batidas das séries do streaming atual. Além de tudo, suponho que Ana Clara é vitoriana e não o sabe, tamanho o seu apego por amores imaginados e diálogos com grande potencial cenográfico. Enfim, preparem-se para, nas próximas páginas, desfrutar de uma obra que utiliza dramaturgia, romance e música na condução de uma história que se desdobra para além de dois eixos perpendiculares que pertencem a um plano em comum.