Num trem noturno, que segue para o subúrbio carioca, está o jovem Rodolfo Queirós. Quem o vê, imediatamente percebe a angústia em sua expressão. Como num estado de transe, possuído por sentimentos que vão além de sua compreensão, Rodolfo procura satisfazer uma estranha obsessão que o acomete. Nada mais resta do jovem elegante e bem educado.O narrador desta insólita história testemunhando, por acaso, a conversa entre Rodolfo e seu amigo Justino, conduz o leitor a um relato de delírio e horror, no qual Rodolfo se recorda da ex-noiva Clotilde, primeira e indefesa vítima de seu bizarro vício.Aqueles acostumados com João do Rio não estranharão este conto “negro”, que esmiúça taras do espírito humano e mostra como o homem é pequeno diante dos mistérios da natureza. Os que não conhecem João do Rio aprenderão, talvez, que a arte de viver conjuga a observação com a reflexão, a capacidade de ver com a riqueza de enxergar.Rodolfo Queirós é um tipo esquisito na cidade do novo, do progresso, que ainda não se acostumou — e talvez não o faça nunca — ao espetáculo do mundanismo, e sofre ao ver seus valores desmoronarem. A dor é maior porque ama Clotilde, e nada que experimente das sensações da noite pode resolver as suas ânsias e dores. A tragédia é maior porque, como homem da cidade moderna, tem consciência do valor moral de seus atos, de seus sentimentos e de suas emoções, que estão acima dos controles da razão.João do Rio nos apresenta uma cena do complexo mundo moderno, onde os temas que envolvem a vida humana ligam-se à subjetividade e à destreza do homem em conseguir detê-la e desviá-la dos olhos da multidão. Não há mais paz doméstica, só vida exterior.Dentro da noite (selo Girafinha) revela as dívidas de João do Rio com Edgar Allan Poe e outros malditos da belle époque que afirmaram a miséria humana contra a razão do progresso. Mas talvez se diferencie deles por ter uma pitada de ceticismo, nem que seja para rir dos desastres ou mostrar a falência da ilusão.