Este seu novo volume de poesias já se revela inovador desde seu título – Derramares -, neologismo de que a autora se serve para designar seus desamores [que] “entre fins / e recomeços / guardavam lembranças bestas / que só a mim pertenciam”. Ainda no terreno “vezenquando” (poema de igual título) onde cabe ainda outro substantivo, “lenteza”, derivação natural do adjetivo lento, todos, portanto, perfeitamente legitimados pela pertinácia vernacular. Derramares se abre para temas insólitos em nossa poesia, seja ela ousadia do conteúdo, seja pela forma. É o caso do poema “Anverso da vida”, essencialmente de viés budista, nirvânico, diríamos, para traduzir, com esse neologismo de nossa autoria, a impressão que nos causou o poema, e que compartilho desde já com o leitor curioso, na certeza de anteciparlhe um dos textos mais fortes de Derramares: “Se enlouquecesse / não precisaria rezar / para aceitar os reveses. // Não seria impelida / a sofrer com a coitadez do mundo / a loucura desfocaria... / Não reconheceria ninguém / entre a vida e o sono / nem a mim saberia... / Deslizaria sem pressa / diante do anverso / do eterno nada”.