Que os outros são um mistério, todo mundo sabe. Podemos passar décadas ao lado de alguém que, de repente, nos surpreende. Podemos passar uma vida inteira tentando compreender uma pessoa que amamos, convivendo com seus gestos, suas preferências, criando uma intimidade que depende da aproximação. O que fazer quando a pessoa que amamos não está mais? Ainda maior mistério: o que fazer quando a pessoa que amamos escolheu não estar mais?
A protagonista deste romance se vê diante do impossível quando recebe um telefonema avisando que sua irmã mais velha morreu por suicídio em outra cidade, uma cidade que é outra em todos sentidos. Na imensa São Paulo, Antonia vai percorrer as esquinas e as multidões em busca de um reencontro com a irmã e um reencontro com as repetidas férias da infância numa fazenda do interior do Rio Grande do Sul. Nem a irmã nem a fazenda estão a seu alcance, mas todos sabemos que isso pouco importa quando alguém decide enfrentar a dor da perda.
Enquanto tenta esquecer uma ex-namorada, Antonia se dedica a lembrar a história familiar. Onde foi que tudo deu errado? Que herança de sombras e sono ausente sua mãe deixou para a irmã? Quando foi que ela própria desistiu de insistir num vínculo que se tornava unilateral? Por mais que conte com a ajuda de uma amiga, as pistas que ela encontra no apartamento da irmã são insuficientes para reescrever tantas histórias silenciadas. E é aqui que o romance de Dani Langer ganha sua verdadeira força humana e narrativa, é neste ponto para sempre inacessível da vida dos outros que a literatura preenche os vazios da morte e nos salva do esquecimento — do risco de esquecermos quem amamos e, sobretudo, do risco de esquecermos quem fomos.
Que os outros são um mistério, todo mundo sabe. Antonia descobre que também somos mistérios para nós mesmos. No resgate de quem é, ela tem a sorte de contar com a música, a fotografia, um antigo amor. Nós, leitoras e leitores, temos a sorte de contar com este livro. - Por Julia Dantas - Escritora.