Este livro, cuja tessitura busca alicerçar teoricamente manifestações clínicas em torno do gozo feminino, acompanhadas a princípio de uma incompreensão desprovida de fala dos sujeitos que o vivenciam, não apenas percorre detidamente as obras de Sigmund Freud e Jacques Lacan, como também se vale do que a literatura, a arte, a lógica e os relatos místicos podem ensinar ao psicanalista. Dos que chegam à análise sem entender o que acontece com seu corpo em situações nomeadas como desvarios, desmedidas ou desarrazoamentos à abordagem da correspondência de Madame de Sévigné, da história de vida de Camille Claudel, da literatura de Katherine Mansfield e Léon Bloy, e dos escritos de Santa Teresa d’Ávila e Hadewijch d’Anvers, Elisabeth da Rocha Miranda estabelece, à luz sobretudo das fórmulas da sexuação propostas por Lacan em seu vigésimo Seminário, uma original e inquietante contribuição à clínica psicanalítica do que escapa à universalidade do registro fálico, tal como elaborado por Freud. Encontra-se aqui, portanto, em sua incontornável persistência, o desejo de fazer avançar o tratamento que a psicanálise pode oferecer a algo sobre o qual, por não ser consumido pelo significante, nada se pode dizer. Ao encorpá-lo na escrita, sua autora, sem se deixar abalar pelo que ao Outro falta, deixa ver que só se pode de fato apalavrar sob o consentimento de que às palavras sempre haverá o que faltar.