Existe um mundo possível em que este livro não foi escrito. Existe outro mundo possível em que ele foi escrito, mas você não o leu. Existe ainda outro em que você o leu e o usou como apoio para o mouse durante algum tempo. E muitos outros. Será que faz sentido falar nesses mundos possíveis? Ou será que o mundo em que vivemos é o único possível? Essas são questões bastante discuti-das contemporaneamente, mas que remontam, historicamente, a Leibniz, e de maneira mais discreta e seminal, podemos dizer, a Descartes. Assim, este livro tem, sobretudo, a perspectiva da História da Filosofia. Trata-se de entender se Descartes, por força do que diz principalmente em cartas, teria sustentado uma metafísica de mundos possíveis, e se sim, se podemos atribuir a ele algum tipo de possibilismo (a tese de que há mais de um mundo possível) ou algum tipo de necessitarismo (a tese de que há somente um mundo possível). No entanto, isso que podemos chamar de uma metafísica da modalidade, isto é, que trata de possibilidades, projeta-se quase como um holograma — como às vezes a História da Filosofia permite que aconteça — a partir da luz tênue emitida pela tese da livre criação das verdades eternas, que é o ponto de partida deste livro. Expliquemos: trata-se da tese de que verdades como “dois mais dois é igual a quatro” foram estabelecidas livremente por Deus, quase como as cores de um quadro são escolhidas por seu pintor. Mas então dois mais dois poderia não ser quatro, como um quadro em tons de azul poderia ter tons de verde? Eis a questão. Costumamos, de fato, dividir as coisas em possíveis e impossíveis a partir do que é pensável e impensável. Entretanto seria este critério, inerente ao pensamento humano, o melhor para a investigação do ser enquanto ser (para lembrar a definição de metafísica atribuída a Aristóteles)? Eis aí outra questão. Àqueles que se interessem por tais questões, seja porque tangenciam desde religião até matemática como objetos de especulação, seja pela abordagem especulativa peculiar à Filosofia, destina-se este livro.