"Rio de Janeiro, manhã de 13 de março de 1964: a cidade, meio tensa e vazia, se preparava para o comício de Jango pelas reformas de base, marcado para aquela tarde na Central, enquanto Glauber, amigos e colaboradores se reuniram no cinema Vitória para assistir em sessão especial à primeira cópia de 'Deus e o diabo na terra do sol'. Dali, da Cinelândia, quase todos saíram para o comício. E depois, já tarde da noite, para a casa de Glauber: dia 14 era aniversário dele, 25 anos." O ritmo de roteiro e o estilo cinematográfico não poderiam ilustrar melhor o livro do crítico José Carlos Avellar, 'Deus e o diabo na terra do sol' - sobre o filme homônimo de Glauber Rocha - , que compõe a Coleção ArteMídia. Vale dizer que os autores que participam desta coleção são convidados para escrever sobre o seu filme predileto, que faz da ArteMídia uma série ainda mais instigante. "Escolhi 'Deus e o diabo na terra do sol' por várias razões: primeiro, pelo impacto que o filme causou na época, e também porque ele propõe uma maneira de filmar que está perto do que se faz hoje, em nosso país, com as novas tecnologias. É como se, 30 anos depois, o filme voltasse a ser jovem", diz Avellar. Segundo o autor, 'Deus e o diabo' foi uma obra muito importante na época, pois existia uma tendência realista que dominava o cinema na América Latina. "O cinema na América Latina pretendia ser fiel à realidade e o filme de Glauber procura ser fiel ao sonho, buscando retratar a emoção, o sentimento do indivíduo diante do real." "A primeira vez que o vi foi por acaso, em uma sessão de cinema. Ele estava sentado atrás de mim. Durante o filme, havia pessoas falando alto e Glauber deu um berro, pedindo silêncio. Quando acabou a sessão eu e outras pessoas que estavam ali começamos a conversar com ele. Depois, voltei a encontrá-lo quando ele estava filmando Terra em transe, em 1966, e juntamente com outros diretores, críticos e interessados, todos discutíamos cinema. Isso era uma coisa comum naquela época".