Muito se fala em jornalismo literário , como se a segunda condição tornasse a primeira mais nobre, e como se a primeira ajudasse a segunda a se tornar mais popular , coloquial. Não parece algo que tire o sono de Ademir Assunção: ele não concebe a escrita a partir de um cânone, de uma idealização, de uma vontade externa, mas de sua própria inquietação. Ele também não teme a verdade e a busca em qualquer lugar, seja no morro com Bezerra da Silva, seja caminhando pelas ruas de Porto Alegre a bordo de Mário Quintana. Ademir também escreve ficção, e os pressupostos não as ferramentas são parecidos com os de seu jornalismo. Em janeiro de 2004, com Adorável criatura Frankenstein, esculachava os ritos de legitimação de ídolos, marqueteiros, intelectuais e modelos-atrizes-apresentadoras do circo midiático brasileiro. Ele parece crer que a literatura (e também o jornalismo) age no mundo, muda o mundo e não está aí para fixar ou cristalizar as convicções, mas para sacudi-las, abalá-las, estremecer a árvore dos fetiches. O poeta beatnik Gary Snyder disse, certa vez, que a poesia é como um grande corvo sentado num fio de alta tensão entre dois postes. Ninguém presta atenção nela, mas ela vê tudo. O jornalismo cultural praticado por Ademir é como aquele corvo do Snyder. Está lá, em todos os fios, com seu olhar escrutador. Os farsantes vão ficando pelos meios-fios. Assunção vai enchendo todos os fios.