Guiado pelo pensamento da “arte do devaneio”, de Gaston Bachelard, e pela dialética do imaginário, fonte de um dinamismo de polaridades e oposições, neste livro, Marcelo de Carvalho traz de maneira exemplar a pintura grotesca, descoberta, casualmente, na Roma de 1480 – em grutas da área próxima ao Coliseu – cujas escavações revelariam o monumento de época imperial, Domus Aurea, extraordinário palácio dourado de Nero (século I d.C.). Ressurgidas após cerca de um milênio e meio de seu soterramento, as grotescas inspiram artistas do Renascimento, tal como Rafael, que as usa nas galerias do Vaticano. Esses afrescos ornamentais, em oposição à tradição decorativa de moldes clássicos, que considerava a arte como cópia do real, formam uma fantasia de arabescos e seres híbridos, em um universo fantasticamente colorido, parodiando citações mitológicas do Classicismo. Coroam o traçado do Devaneio de Grotescas um texto de Friedrich Nietzsche e outro de Ovídio, aos quais Carvalho recorre para pensar a Antiguidade. Com acuidade, mostra que as grotescas, como elemento irracional, fantástico, inerente à Roma Imperial, assim como ao Classicismo renascentista, se assemelha às pulsões dionisíacas, transgressoras, que jazem sob o manto da racionalidade helênica. Nesta obra, Marcelo nos brinda, ainda, com a imagem de várias grotescas, um universo estético de rara beleza, uma decoração mural que transforma humanos, animais e vegetais em redes de figuras metamórficas. Esse livro certamente encantará o leitor de língua portuguesa (Rosa Maria Dias – Professora titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – (UERJ)