'Devorando o vizinho', que a Editora Globo acaba de lançar, é, como diz seu subtítulo, "uma história do canibalismo". Uma história do canibalismo, porém, não poderia deixar de ser um conjunto de histórias, pois, na verdade, há mais de um canibalismo. O livro conta, assim, as várias histórias dos diversos canibalismos, dividindo-os em dois grandes grupos: os que envolvem religião, rituais e ritos mágicos, classificados como "canibalismo cultural" ("Parte Um"), e os que envolvem indivíduos ocidentais, classificados como "casos de estudo" ("Parte Dois"). Mas como, tratando-se de um assunto que é a própria definição da palavra tabu, não poderia deixar de haver a respeito muita ficção (no sentido lato), o livro abre com um capítulo intitulado: "Uma palavra de prevenção: canibalismo em mitos, lendas, folclore e ficção". Para fechar com um capítulo cujo título indigesto, que é: "Uma onda crescente de comedores de carne? O futuro do canibalismo". É inevitável dizer que se trata de um tema saboroso: mesmo porque não há quem não tenha, alguma vez na vida, se perguntado sobre o sabor da carne humana. Mas o livro é saboroso também no sentido de apresentar os diversos "sabores" de várias culturas que praticaram o canibalismo. Assim como o sabor amargo (e tão assustador quanto fascinante) dos predadores sociais que o praticam entre nós. Pois a carne humana pode entrar para o cardápio por um sentido mágico e religioso (forma de absorver a coragem e a força dos inimigos ou a sabedoria e o humor dos amigos), porque a fome, a miséria ou a guerra não deixaram outra opção, ou como manifestação paroxística de poder na mente insaciável de um predador psicossexual.