CÂMARA DE ECOS - Texto de orelhas de Ademir DemarchiSão já célebres as reflexões de Foucault sobre a relação da escrita com a loucura que, a partir do século XIX, como que governa os textos motivando a liberação do escritor da necessidade de ter uma relação social, podendo ele derramar-se em busca de seus limites, assunto que é explorado à exaustão por Blanchot, com quem Foucault dialoga. A liberação do texto de qualquer amarra possibilitou, por sua vez, a entrega dos escritores não apenas à loucura do texto, mas à expressão de sua loucura no texto, a ponto de Doctorow ter se saído com uma interessante síntese segundo a qual “escrever é uma forma socialmente aceita de esquizofrenia”. Este Diário de um médico louco é, pois, justamente, um relato que se monta sobre essas questões, ganhando ares de uma confissão de algo há muito contido, que supostamente teria levado à demência e que move a escrita, de modo a que o narrador se transforme de médico em escritor com sua fantasia de ser socialmente aceito como tal e com todos os seus defeitos e supostos crimes praticados. Num primeiro plano, temos um narrador médico que apresenta um colega que lhe deixou um diário, esse que se lerá. Esse narrador é comedido e não tece comentários sobre o colega, mas o que descreve dele com uma aparente frieza clínica não soa normal aos olhos de um leitor arguto. E é isso que se constatará a seguir: o relato de um louco que soa como uma câmara de ecos, que é a própria ordem da literatura contemporânea. Não à toa o autor deste livro o começa com um dos clichês da literatura, ou seja, com um narrador que informa que recebeu de outro um relato que não é dele e em seguida é esse outro que passa a narrar o que se vai ler. A partir dessa introdução a ressonância a temas caros à literatura e à vida de outros escritores, assim como aos textos deles, vai se imiscuindo no texto em cornucópia, consubstanciando a tal câmara de ecos, e assim nele passamos a ler através do médico louco os modos próprios