Biografar mulheres negras é um ato de coragem político-epistemológico e uma prática de escavação. Como todo exercício de escavação foi preciso unir pontas, lazer redes e apostar que, através dos vestígios documentais, das conversas, das imagens, das músicas, das rasuras nos livros e dos sinais arqueológicos, fosse possível produzir um dicionário de mulheres afrodiaspóricas. Fruto desse esforço se deve ao fato de que as histórias das mulheres negras estão em curso e é a partir de mãos de outras mulheres negras que elas estão sendo escritas e publicadas.
O toque do dicionário é trazer as potências negras, diminuir narrativas de sofrimento que paralisam e ocultam os movimentos, as táticas que expõem a agência das mulheres negras.
Uma agência hábil em entender como agir frente aos contextos adversos e opressivos. Uma agência que aciona os dispositivos educacionais, religiosos, culturais e ancestrais na constituição de uma história que se inscreve nos corpos-vida das mulheres negras.
Por se tratar de um dicionário biográfico de mulheres negras, estaremos todas, a partir do contato com esse material, orientadas a compreender as diferenças entre as mulheres negras. Diferenças marcadas por contextos e territórios, escolaridade, religião, nação e sexualidade. Acertadamente, esse dicionário é um artefato que pretende diminuir a força da narrativa colonial, patriarcal e racial que insiste em nos homogeneizar. E nós continuamos a escapar, a nos movimentar pelas frestas e pelas beiradas da estrutura e instituições. Isso não é um demérito, é uma sabedoria, uma forma de se localizar no mundo, em uma determinada organização social a partir da experiência e das múltiplas relações e situações que cruzam o caminho das mulheres negras.
Com a presença dessas 100 mulheres afrodiaspóricas biografadas, afirmamos a presença e a potência. Afirmamos um registro de nossas histórias e trajetórias. Falamos de nós para nós, nos constituímos como sujeitas enunciadoras, nos projetamos ao mundo com a força do improviso, do imprevisível, do imprevisto e do invisível.
O Dicionário biográfico: histórias entrelaçadas de mulheres afrodiaspóricas é um ato de insurgência tecido pela Rede Latino-americana e
Caribenha de Pesquisas sobre Feminismos de Terreiros (RELFET), onde ficam e ficarão registradas as escrevivências das mulheres negras em e na diáspora negra.
Nubia Regina Moreira
Professora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UBSB)
Doutora em Sociologia (UnB)