Compreender o processo pelo qual novas nações se formam é uma tarefa que exige pesquisa exaustiva, uma boa dose de argúcia e uma disposição persistente para não se contentar com as versões consagradas dos processos políticos, econômicos, sociais e culturais envolvidos nas independências. Nesta contribuição ao estudo do nacionalismo e da construção do Estado na áfrica, Artemisa Candé Monteiro se debruça sobre a experiência da Guiné-Bissau, que declarou sua independência em 1973, após uma guerra de libertação iniciada 10 anos antes. Sua análise, entretanto, ultrapassa em muito esse quadro cronológico um tanto convencional. Por um lado, busca na longa duração do contato atlântico à colonização efetiva, as linhas de formação de grupos sociais e de construtos identitários na moldagem da complexa sociedade guineense dos anos de 1950 - que se mobilizaria de forma desigual - nem sempre com objetivos convergentes - em torno do nacionalismo africano. Por outro, acompanha os dilemas e conflitos que marcaram a constituição do movimento nacionalista armado e, após a independência, do próprio Estado, organizado como um regime socialista de partido único. Ao analisar o discurso nacional contrastando-o com a etnicidade, Artemisa Candé desvela, sob o manto aparentemente homogêneo do discurso oficial da unidade, a multiplicidade de atores sociais, individuais e coletivos atuando dentro do Partido-estado em favor da implementação de suas próprias visões de como haveria de ser a Guiné-Bissau independente. Sem dúvida, Discurso Nacional e Etnicidade em áfrica é um livro indispensável ao leitor interessado em perceber como se constituíram as realidades africanas contemporâneas para além das miragens heroicas, exotizantes ou depreciativas do continente que povoam o senso comum e mesmo os meios de comunicação no Brasil, mas que interessará, também, ao público da Guiné-Bissau e dos demais países africanos de língua oficial portuguesa. Num campo em que muitas das leituras fundamentais têm sido produzidas a partir de fora, este livro se coloca em uma linha de continuidade com uma tradição africana de pesquisa, análise e teorização interna que os leitores dos dois lados do Atlântico precisam ter em conta se quiserem aprofundar seu conhecimento sobre a áfrica atual.