Ana Maria Machado passou parte de sua infância no litoral do Espírito Santo, na casa de seus avós. Ao cair do dia, os moradores do local se reuniam para contar e escutar histórias. Do outro lado tem segredos nasceu nas noites em que a escritora descobria novos mundos, ainda menina. A influência das narrativas ouvidas pela autora, com seus mistérios e peculiaridades, estimulou-a para escrever a novela, publicada originalmente em 1979. Nomeado em homenagem a São Benedito, o “santo negro”, o pequeno Bino espera o momento em que os cardumes se aproximarão e será a hora de jogar a rede. O menino vive em uma aldeia de pescadores e desde pequeno aguarda o dia em que poderá ir com eles explorar a imensidão do oceano. De frente para o mar, quer saber o que há do outro lado da linha do horizonte. Bino está crescendo e aos poucos vai descobrindo a África de seus antepassados e as tradições, a beleza e a cultura de seu povo. São muitas as revelações que tem, que chegam em pequenos sinais que cruzam seu caminho. O curioso menino mergulha nas histórias da avó Odila e aprende a ler seus caminhos nos ensinamentos de Tião e Mané Faustino, nas estrelas do céu e do mar, na amizade de Dilson, nos jasmins-estrela do jardim e no cheiro de mato de Maria, a amiga por quem tem interesse. O tempo passado é resgatado através das histórias que Bino ouve. Aqui, é a memória que impulsiona os personagens e suas ações. Nem Bino nem a formosa Maria precisam sair de onde estão para ouvir as vozes de seus antepassados: dos africanos que ficam do outro lado do mar, dos índios que ficam do lado de lá do morro. São relatos de quando os índios eram os donos da terra e da época dos lendários reis africanos. Depois, o cativeiro, a luta pela reconquista da liberdade, entre tantos outros recomeços. Todos esses acontecimentos ficaram gravados, de uma forma ou de outra, na memória do povo, incorporados em seus costumes e tradições. Além das histórias contadas, vários dos personagens deste livro existiram de verdade – a começar por Bino, que vigiava a chegada dos cardumes e avisava que era tempo de lançar a rede. Ana Maria Machado fala, através da memória popular, de sonhos, do encontro de gerações e da busca pela identidade. Tristão de Athayde, pseudônimo do crítico literário Alceu Amoroso Lima, ficou encantado com o livro e escreveu sobre ele no Jornal do Brasil em 1979: “É uma parábola que se passa entre pescadores, o menino Bino e a menina Maria, em que Bino olha para lá do oceano, em direção à África de Aruanda, de onde vieram seus antepassados. E a menina Maria, descendente de índios, olha para lá dos montes, de onde vieram os seus, no horizonte telúrico. São duas faces do mundo brasileiro, refletidas nessas duas crianças praieiras e no encontro de duas raças nostálgicas, do oceano e da floresta, com seus mistérios invisíveis e indizíveis.”