O Brasil adora as canções românticas de Dolores Duran, mas sempre soube muito pouco a respeito da artista, que morreu, aos 29 anos, vítima de um enfarte do miocárdio, em outubro de 1959. Suas gravações sumiram das rádios, mas suas poucas e belas composições nunca pararam de ser regravadas. Agora esta lacuna está sendo finalmente preenchida com o lançamento do livro Dolores Duran: A noite e as canções de uma mulher fascinante, que o jornalista, produtor e pesquisador musical Rodrigo Faour está lançando pela Editora Record. O livro é uma pesquisa de fôlego. Foram mais de 70 entrevistados, entre os que conviveram com a artista e os seus admiradores, que ajudaram a imortalizar sua obra até o presente; centenas de citações de seu nome na imprensa, desde o seu surgimento no mundo artístico em 1942 como atriz mirim e um incrível painel fotográfico que forma um libreto ilustrado de 48 folhas. Faour nos revela que Dolores Duran (1930-1959) foi uma mulher muito à frente do seu tempo e um tanto precoce. Por conta de um problema congênito no coração, sabia que sua vida não seria longa, então tratou de viver tudo muito intensamente – a carreira, os amores, os amigos, a noite. Desde pré-adolescente já frequentava o teatro infantil e programas de calouros . Aos 19, estreou como crooner na chiquérrima boate Vogue, em Copacabana, e foi contratada pela mítica Rádio Nacional, onde permaneceu até quase o fim da vida. Com o tempo ganhou prestígio e a amizade dos maiores cronistas e intelectuais da boemia carioca, sendo uma das preferidas da turma. Sentava-se à mesa, conversando de igual para igual com Antonio Maria, Vinicius de Moraes, Fernando Lobo, Sérgio Porto, Mister Eco, Mário Lago e tantos outros cronistas e compositores – os mesmos que se deliciavam ouvindo-a cantar em tudo quanto era nightclub da época. Também pudera... Muito inteligente, apesar de ter abandonado os estudos após a quinta-série primária, além de ler sobre os maiores autores, poetas, pintores e o que mais lhe desse na telha, era autodidata em idiomas, que falava, lia, escrevia e cantava à perfeição, sendo sempre solicitada para interpretar os sucessos internacionais daqueles anos dourados. Munida de um incrível bom gosto – odiava cafonices – intercalava esse repertório com o melhor do cancioneiro brasileiro de então. Eclética, ia do baião à marchinha, do bolero à canção francesa, da salsa ao fox. Apesar de ter sido uma excelente cantora, não chegou a ser tão popular como algumas de suas contemporâneas, como Dalva de Oliveira, Angela Maria ou Maysa, ainda assim ajudou a divulgar a obra de autores como Billy Blanco (“A banca do distinto”, “Praça Mauá”, “Pano legal”), Chico Anysio (“A fia de Chico Brito”) e Antonio Maria & Ismael Netto (“Canção da volta”). A compositora e letrista, ao contrário, foi aclamada e prestigiada desde o seu surgimento. Este livro revela em primeira mão que, apesar da obra reduzida, cunhada na maior parte em seus três últimos anos de vida, Dolores é a compositora mais gravada do país até hoje, com cerca de 850 regravações diferentes de pérolas como “A noite do meu bem”, “Castigo”, “Solidão”, além de parcerias com o pianista Ribamar (“Ternura antiga”, “Pela rua”), Carlos Lyra (“O negócio é amar”) e Tom Jobim (“Por causa de você” e “Estrada do sol”). Como se não bastasse tudo isso, foi uma mulher divertida e namoradeira, fascinante, muito diferente daquela imortalizada em seus poemas e canções, no geral tristes e melancólicos, ainda que com nuances levemente irônicas em alguns deles. Também foi politizada (aderiu e desertou do comunismo – após uma pioneira viagem ao Leste Europeu, na época da Cortina de Ferro), religiosa (da umbanda ao catolicismo), e ainda era boa costureira, grande cozinheira e ótima contadora de anedotas, além, é claro, de ter sido uma das francas precursoras do movimento da Bossa Nova que decolou assim que ela se foi.