O título deste livro nos dá um indício do que podemos encontrar por aqui: são histórias seguidas de outras histórias. Mas este é o truque – ou o milagre, pertinente dúvida levantada pelo padre ilusionista em “Crenças”. O uso da ligadura & sugere o emaranhado de narrativas no qual uma puxa a outra, e estão todas tão atadas que fica impossível separá-las. São como parceiras comerciais, sócias de um escritório de advocacia, Chitãozinho & Xororó. O efeito imediato é a espécie de transe com que lemos a obra, sendo difícil encontrar tempo para um café, já que mesmo as janelas (palavra usada pelas professoras em Escolas Literárias para se referir ao intervalo ocioso onde tudo acontece entre uma aula e outra) abertas são logo ocupadas por outras histórias. & outras histórias & outras histórias nos sugere um jogo especular, onde tudo parece igual, embora não o seja. Porque as histórias se repetem, mas primeiro como tragédia para só então se revelarem farsas. A princípio, é fácil reconhecer-se na camada de banalidade cotidiana. Os personagens circulam por espaços conhecidos e vivem vidas aparentemente comuns. Esta é a mão direita que Lucas Mattos nos oferece como distração. No entanto, o jogo acontece mesmo do outro lado. Voltamos à ligadura &. Graficamente, um caractere que se torce sobre si mesmo, enrolando-se. Aliás, quando o escrevemos, começamos pela parte superior ou inferior? Seja lá como for, é engraçado pensar que a parte que começa embaixo termina em cima e vice-versa. Este movimento me lembra um pouco o elástico, drible consagrado por Rivelino na década de 70. Funciona assim: o jogador coloca a bola na parte de fora do pé, empurrando-a para longe do corpo e indicando que seguirá na mesma direção. No entanto, ao menor movimento do marcador, quase por milagre, passa-se o pé para o outro lado da bola, deixando-a em contato com a parte interior da chuteira e mudando bruscamente a direção do movimento. Quando o zagueiro percebe, já é tarde. Do mesmo modo, o elástico não é só um drible, mas um material. As narrativas deste livro possuem a elasticidade como uma propriedade, são tensionadas até próximas do ponto de ruptura, mas antes que arrebentem, voltam à forma original com a retirada ou diminuição da tensão. Estes são artifícios que Lucas Mattos, um dos mais inventivos poetas da nossa geração, transfere com sucesso da poesia para a prosa. Conhecemos o drible e sabemos como seremos driblados, mas não podemos evitar:“o segredo do padre é que era sempre truque e, nunca, milagre. Mas ele perguntava mesmo assim”.
Daniel Massa