A coletânea de ensaios aqui apresentada gira em torno de algumas das teses de Pierre Aubenque sobre a questão do ser em Aristóteles, desenvolvidas em seu livro Le probleme de l’êtrechez Aristote. Nesse livro admirável, com tantas teses originais que revolucionaram a maneira de compreender a ontologia aristotélica e suas teorias sobre a linguagem, Pierre Aubenque nos convida a abordar os textos aristotélicos de uma maneira surpreendente. A maneira tradicional era ver na obra de Aristóteles, em especial na Metafísica, um amontoado de textos corrompidos, com questões levantadas e não respondidas, abandonadas e retomadas de outra maneira, lacunas e contradições. Isso se deve em grande parte à história da transmissão dos textos de Aristóteles, que conhecemos pelos relatos de Estrabão e Plutarco. Eles nos falam de uma perda dos textos, que, logo após a morte de Aristóteles, teriam sido herdados por Neleu e transportados a Cépsis, onde teriam ficado por longo tempo escondidos num porão, sendo corrompidos pela umidade e pelos vermes, até que, muito tempo depois, foram vendidos para Apeliconte de Teos e acabaram sendo enviados a Roma por Sila, indo parar nas mãos do gramático Tirânion, de quem Andrônico de Rodes teria obtido as cópias que publicou.
Assim, a interpretação tradicional procurou preencher essas lacunas, eliminar as contradições, dar, enfim, ao pensamento aristotélico, o aspecto acabado e perfeito que ele certamente teria tido. Aubenque propõe, ao invés, abordar os textos como estão, e, tais como estão, como contendo a verdade sobre o pensamento de Aristóteles. O leitor de Aristóteles é convidado a renunciar a completar lacunas e apontar contradições, e ver um Aristóteles às voltas com as aporias do próprio pensamento. Contradições e lacunas nas tentativas de obter respostas às questões filosóficas revelam simplesmente as aporias da própria filosofia, e do próprio pensamento. Para Aubenque, delas não são culpadas nem a umidade nem os vermes. Culpadas são as aporias do próprio pensamento. E o que os textos nos trazem desse pensador é um filósofo
poderoso às voltas com as aporias das questões filosóficas, que só continuam filosóficas justamente porque não têm solução definitiva. É Aristóteles em ação que Pierre Aubenque nos revela.