Se o livro de Ricardo Giannetti tratasse apenas da história das artes em Minas Gerais na passagem do século XIX para o XX, o leitor já teria em mãos uma preciosa contribuição para o entendimento de uma das dimensões mais sensíveis e fundamentais da história de Minas e do Brasil. Baseado num minucioso e amplo trabalho de pesquisa, Ricardo nos apresenta um conjunto de ensaios que revelam não apenas sensibilidade, arte e engenhosidade no trato com as fontes, mas sua verdadeira paixão pelo objeto de estudo eleito. E quem sai ganhando com essa paixão transformada em texto, em narrativa, é, certamente, o leitor.
O livro, ao tratar com maestria da história da arte, traz também contribuições a várias outras dimensões daqueles densos tempos de transição. Os textos, em seu conjunto, tratam fortemente das políticas e práticas de memória e de esquecimento; das ações de construção e de destruição de patrimônio e lugares de memória. Como não deixar de ver e sentir nos textos aqui reunidos os impactos sofridos pela cidade de Ouro Preto, sua população e seu patrimônio histórico e artístico, com a mudança da capital do estado para Belo Horizonte? Como não perceber, no investimento para tornar a nova capital um símbolo da modernidade republicana, o combate ativo ao significado político e, portanto, simbólico do Império e da velha Ouro Preto? Mas como não perceber, também, nas penas, nas telas, nos textos de alguns dos artistas aqui reunidos, as primeiras tentativas de denunciar e proteger o importante patrimônio artístico da antiga capital mineira?
A minuciosa pesquisa empreendida pelo autor joga luz em um aspecto dos mais fundamentais para o entendimento da constituição de projetos artísticos e políticos: as artes se mostram plenamente como lugar e condição de sociabilidades artísticas, políticas, intelectuais. De maneiras as mais variadas, os sujeitos nos são apresentados entrelaçados em fios e redes de sociabilidades que, continuamente, deslocam-se das artes para a educação, da educação para a política, da política para o mundo privado, do mundo privado para a pública construção das cidades e de nosso patrimônio artístico. Lá onde o ócio e os negócios se entrelaçam e as trajetórias pessoais e profissionais são construídas e reconstruídas, capítulos importantes de nossa cultura são construídos e/ou destruídos.
O leitor notará que artistas retratados no livro são, de diferentes maneiras e em diferentes ofícios e oficinas, artífices da memória republicana mineira e brasileira. São produtores da cidade de Belo Horizonte como um lugar de memória e de fruição das artes. No entanto, é contínuo e manifesto o desconforto do autor com o fato de que tais artistas, em sua maioria, sejam, hoje, ilustres desconhecidos. Ainda bem que Ricardo Giannetti mobilizou esse desconforto para nos brindar com este livro que, sem dúvida, faz justiça à memória e à história desses artífices de nossa história e de nossa cultura!
_Luciano Mendes de Faria Filho
Professor Titular de História da Educação
da Faculdade de Educação da UFMG_