Ainda criança, quando viajava quase anualmente ao Rio de Janeiro para visitar minha avó materna, tive meu primeiro contato com a pichação. Não sabia dizer se achava aquilo bonito ou feio, mas a cada retorno a Campo Grande, mais e mais estranhos eram para mim os muros limpos da minha cidade natal. A associação que eu fazia na infância é a de que o picho era sinônimo de “metrópole”, que a capital de Mato Grosso do Sul ainda não era “digna”. No fim das contas, embora eu não soubesse como elaborar essa lógica, estava próximo de uma das explicações para o fenômeno social das escritas urbanas, que são consequência do crescimento desigual das cidades e da marginalização dos cidadãos mais pobres. Minha primeira investigação jornalística para tentar compreender as motivações por trás da atividade veio apenas em 2013, momento em que, por mais que enxergasse a pichação quase como uma decoração das cidades grandes, partilhava da opinião da maioria da sociedade brasileira quanto a considerá-la um ato de “vandalismo”. Foi por meio de conversas com agentes do picho (e não apenas delegados de polícia ou vítimas dos sprays e rolos de tinta, fontes recorrentes do jornalismo sobre o assunto) que pude compreender o que essas intervenções representam e refinar minha argumentação em seu favor. O livro Entre Riscos sintetiza anos de interações com grafiteiros/pichadores e estudos sobre mídia, comportamento desviante, relações de poder e manifestações de discursos, em uma tentativa de demonstrar que a formulação de um estereótipo para quem escreve pelos muros da cidade é enganosa e que há outras formas de a imprensa trabalhar o tema que não façam uso de linguagem policialesca ou reacionária. Se não convencer o leitor de que há beleza por trás desses “rabiscos” (algo que enxergo hoje), espero ao menos que esta obra possa contribuir para a percepção da pichação como algo que, consciente ou inconscientemente, é instrumento de revolta, lazer e expressão dos oprimidos.