Em mais uma história de perder o fôlego, Marcelo nos traz um novo “faroeste caboclo”, agora passado em Arame, lugar remoto na parte da Amazônia onde nasce o sol. A exemplo de Flores de beira de estrada (2019), o romance deixa expostas as entranhas de um Brasil-bem-brasileiro ao explorar o gênero que se costumou chamar de realismo social – talvez o mais necessário à percepção do que realmente somos: um país em busca de melhoras, que só se darão pelos caminhos do autoconhecimento (de seu povo) e do enfrentamento de nossas mazelas. Nesse livro, trabalhado com maestria, juntam-se fatos e diálogos com uma técnica narrativa que traz o leitor para bem perto do que está acontecendo: as vozes de certos personagens misturadas à do narrador (discurso indireto livre) tornam ainda mais viva a história em que o suspense e o existencialismo correm soltos. A ação nos é oferecida entre pensamentos, ou o contrário, e assim o passado e o presente se explicam mutuamente. No presente a ação; no passado a memória que serve a justificá-la. Pelos movimentos de ida e vinda, vamos conhecer a história de Camilo, a de sua mãe, a de Yarim, criada junto a ele, e a de outros nascidos naquela terra ou migrados que o destino uniu na cidade pequena e amedrontada, quase vazia, tendo nas adjacências a maior floresta do mundo. O medo dos poderosos leva alguns à resignação. Outros, à coragem. E por essa razão haverá buscas em carro, caminhão, barco, intercaladas da descrição de uma paisagem natural e humana, com todas suas minúcias, como se narrador e leitor lá estivessem. Acompanha-se o retorno do protagonista, que vivia no centro e trabalhava na periferia da capital paulista, à sua cidade natal sem saber bem o porquê. Na terra de sua infância, nada mais é igual, e dos cemitérios, que eram dois – um grande e um pequeno, como metáfora indisfarçável de que há os que importam e os que importam menos; os que vivem, e os que sobrevivem –, agora vê-se apenas um. E em meio à usurpação do público para interesses privados, se dá o avanço entre os ilícitos de diferentes tempos: da grilagem ao tráfico. A trajetória de Camilo evidencia seus conflitos internos perante a complexidade histórica e social do país. Qual é o ponto de ruptura para uma pessoa que suporta tudo? É com Yarim e sua companheira, Dita Mansa, ambas amparadas pelo amigo Jerônimo, que Camilo formará sua grande aliança, permitindo uma reviravolta na história; e com o empurrãozinho de um personagem enigmático, aquele que saberia de suas necessidades e sentimentos mais que ele próprio, o protagonista partirá para o tudo ou nada. Agora, sobretudo, será preciso dar rumo à vida; não a qualquer uma, mas àquela em que só há uma verdade: “o céu é azul, as matas são verdes, os rios variam com o que carregam”.
Filipe Moreau