Este trabalho trata de nosso tempo atual. Situase em uma “passagem em curso”, entre a modernidade e a alta modernidade, acolhendo livremente diferentes áreas do conhecimento. Mas, sobretudo, este trabalho nos convida a algo talvez inesperado para alguns, talvez muito aguardado por outros em nossa contemporaneidade: uma travessia. É a partir de um lugar de experiência vivido pela autora, “na contramão da luz e da forma”, que C. G. Jung é visto e nos é oferecido neste livro. Na contramão da luz e da forma, o humano, justamente por ser humano — imperfeito, finito, limitado —, pode viver a experiência da criação de um espaço interno que é abertura, que é vazio e infinito, que é todo acolhimento para o sempre novo, para a leitura dos sinais, do invisível, nos quais a busca acontece parada e os lugares afetivos se multiplicam. Colocamosnos diante do mistério. O homem, então, aparece como passagem, ser em transição, ponte. Jung, também transportado e transformado no decorrer desta travessia, nas mãos da autora rodopia: se em um momento é desconstruído, no momento seguinte é retomado em “linhas de força não previstas” para a atualidade; senta para dialogar com Bion, com ele se encontra e dele se separa, ora é surpreendido e sai revigorado e legitimado, ora fica irremediavelmente para trás. E assim visto (melhor talvez seria dizer escutado), a partir deste espaço aberto, vasto, C. G. Jung é apreendido em suas variadas facetas, em sua “sensibilidade”, oferecendonos sua atualidade e seu alcance. Diante desse convite — em travessia nos braços do mistério —, estas linhas de um antigo poema de Mário Quintana nos caem muito bem: “Os espíritos verdadeiramente religiosos são os que andam e desandam pelas encruzilhadas da Dúvida (...)”. Não seria possível esperar outra coisa desta autora.