Este livro oferece aos especialistas e interessados em geral um estudo abrangente sobre uma questão fundamental da história do Brasil: a escravidão e suas repercussões econômicas, políticas, sociais e culturais na sociedade brasileira. Penetrar nos meandros das relações que pautaram a escravidão no Vale do Paraíba Paulista, região de maior e mais prolongada resistência à abolição da escravatura no Brasil, é uma forma de compreender o quadro atual e de perceber os fatos sociais como resultantes de um longo processo histórico, permeado sim de mudanças e transformações, mas assentado também em permanências, que estruturam o racismo presente em nossa sociedade. Papali e Zanetti, organizadoras do livro, com a costumeira reflexão sobre o papel que tem como historiadoras, acolhem problemas da ordem do dia e chama ao compromisso uma plêiade de estudioso(a)s preocupado(a)s em promover um balanço dos mais de 133 anos da abolição em alguns municípios do Vale do Paraíba Paulista, eixo centralizador das relações escravistas no período imperial. O livro está organizado em duas partes. A primeira traz a ESCRAVIDÃO NO VALE DO PARAÍBA PAULISTA, analisada a partir das centenas de processos crimes que desnudaram as diferentes formas de resistência da população escrava do Vale, na tentativa, quase todas frustradas, de negar sua condição de coisa, dada à rigidez dos aparelhos repressores e da sempre eficiente coisificação social promovida pelos valores estigmatizadores da sociedade escravocrata. De forma individual ou coletiva, fugas, assassinatos e a luta pelos vagos e parcos direitos dos escravizados levavam às estratégias diárias de busca pela liberdade. Reduto dos cafeicultores, o vale paulista foi palco de políticas conservadoras e de severas críticas e atitudes em relação àqueles que procuravam defender a abolição e o fim da escravidão. A segunda parte do livro, PÓS-ABOLIÇÃO NO VALE DO PARAÍBA PAULISTA, traz um repertório das tramas e estratégias utilizadas pelos escravocratas em manter, mesmo que abolidas, as relações de trabalho sob regime escravista. Por meio das tutelas das crianças filhas das mães pretas, solteiras e pobres, muitos contratantes passaram a enxergar nesse segmento a forma de substituição da mão de obra escrava egressa da escravidão. Alvos de pessoas inescrupulosas que se travestiram de tutores bem-intencionados, as crianças tuteladas, sob condições de vida e trabalho análogos à escravidão, ressurgem das fontes jurídicas, desnudando as artimanhas que encobriam a verdadeira face escravista desses senhores, ávidos em explorar a mão de obra das crianças apartadas do convívio de suas mães. Assim como seus pais, essas crianças resistiram, deixando-nos, por meio de seus rastros nos meandros jurídicos, evidências daquilo que os negacionistas tentam não reconhecer: a escravidão não só persiste como ela é escancarada nas fontes primárias. Dar poder a essas fontes e, por meio delas, visibilizar a luta de mulheres, homens e crianças que viveram no Vale é um dos propósitos deste livro.