Do “oco de uma incubadora”, no poema de abertura, à “gestação fictícia desse minúsculo/ buraco negro”, de “O eclipse”, que encerra o livro, o que parece estar em jogo nesta Escuta clandestina é, antes de mais nada, o ato de tomar “a vida nas mãos”. Nesse movimento, entram em cena imagens arcaicas e afetos diversos (“adormecer entre as patas de um urso”), incômodos antepassados (“debaixo do mesmo teto/ nem me pagam aluguel”), interrogações sobre o cotidiano, o caos das metrópoles latino-americanas, além da variada gama de “quinquilharias” que habitam o sujeito contemporâneo — “muito entulho e pouca valia”, como é dito em “Sábado à noite”, em que a poeta se põe a vasculhar as caçambas de um bairro burguês (“entre casarões e cherokees distribuídos/ pelas ruas bem arborizadas”) em busca de “algum futuro cenário”.Escuta clandestina, porém, não se limita a uma única vertente e, à dor, Clara Kok contrapõe, com muita habilidade, os recursos do humor e da invenção. Humor bastante particular, que ora se aproxima do lírico, ora do trágico, ora do absurdo, ora de todos estes combinados, mas que acaba operando quase sempre como via de libertação. Neste acerto de contas, os gestos secretos, as figuras invisíveis, tudo aquilo que numa cidade permanece não dito, “na calçada no banco do ônibus/ na cabine de um banheiro público”, ganha direito à palavra e passa de clandestino a comum, coletivo, concernente a todos, próprio de uma comunidade, no espaço compartilhado deste livro de estreia