Nos últimos dois séculos, as melhores intenções emancipatórias dos povos e dos trabalhadores entraram em rota de colisão com o Estado. Os episódios de rebelião armada foram reprimidos ao ponto de se converterem em genocídios, como ocorreu em Paris em 1871, quando a Comuna, o primeiro governo operário da história, foi aniquilada, e em El Salvador em 1932, quando a rebelião camponesa-indígena resultou em um brutal etnocídio, com o extermínio direto de quase todas as comunidades nahuas do país. Quando se optou pela via institucional, as reivindicações foram escamoteadas nos labirintos burocráticos, por meio da cooptação de líderes ou da incorporação de movimentos inteiros à governança neoliberal. (...). As consequências, no entanto, não são muito diferentes para as populações afetadas. Mas a maior mudança é que a alternativa tradicional que dividia o campo da esquerda, entre a tomada à força do Estado e sua ocupação gradual, se viu brutalmente alterada desde o advento do neoliberalismo nos anos 1990. Se as ditaduras militares cercearam boa parte do campo popular, dizimando suas organizações, aniquilando seus líderes mais experientes e impondo o terror à população, o neoliberalismo conseguiu blindar os Estados de qualquer tentativa de mudança do modelo a partir de dentro. Como esperamos demonstrar ao longo desta obra, o capital financeiro, mais concentrado e volátil, conseguiu sequestrar os Estados-nação por meio da legislação internacional, da formação de um estrato de administradores capacitados para gerir as instituições de acordo com as necessidades da globalização e da crescente modernização das forças armadas e da polícia. Dessa forma, qualquer governo que procurasse se distanciar dos ditames das organizações financeiras internacionais passou a ser taxado de populista e autoritário, quando não diretamente de ditatorial.