“Duas excelências principalíssimas caracterizam o nosso autor: sentir profundo, imaginar vívido e copioso. O estilo de Bernardes é geralmente mavioso, singelo, às vezes até à graciosidade infantil, e sempre acomodado à índole dos seus assuntos, por mais que estes se lhe multipliquem, se lhe transformem, e se lhe invertam nos contrários; tem todas as cores com insensível graduação como o arco-íris; imenso, esplêndido como ele, engolfa-se pelos céus, desce pelos ares, pousa sobre a terra; e, mais do que ele, mergulha-se ainda, se convém, pelos horrores do abismo. O seu prodigioso talento gira como uma esfera imensa e espelhada, cujo eixo imbebe as extremidades no inferno e no Empíreo, e, refletindo-os, reflete ao mesmo tempo, e com igual propriedade, a natureza, a terra, os homens e a vida; tudo ali se debuxa sem confusão, com as suas cores próprias, com as suas grandezas relativas. O terror, a esperança, o júbilo, a serenidade se nos revezam no seu rodear. Tudo visto ali ganha uma certa diafanidade; vê-se o interior das virtudes escuras, que é feito de riso e luz; os vícios por fora ridentes e luminosos, que são por dentro cinzas e amargor.Nisto é que não podemos deixar de insistir, por convencidíssimos de que não há escritor português tão para tudo por seu imaginar e sentir como este.Nestes excertos se encerra uma galeria de infindos painéis, que, sendo todos de uma só mão, parecem de muitos mestres; e quando não, percorrei-os”.Enquanto vivo for o meu Padre Manuel Bernardes, ninguém se amesquinhe por esta formosa língua.— Padre Antônio Vieira