Por muito tempo os estudiosos do passado mineiro preocuparam-se em constatar a natureza desordenada da sociedade que se formou em decorrência da corrida do ouro e, mais tarde, dos diamantes. A característica destacada daquela sociedade e da maioria dos indivíduos que a constituíam teria sido uma viva aversão aos preceitos legais impostos por um sistema colonial opressivo e interessado somente na geração de recursos para a metrópole lusa. O imenso território mineiro consistiria em uma terra sem lei na qual se tornara habitual desafiar a autoridade pública. Como parte natural dessa desordem, acreditava-se que apenas raramente os mineiros recorriam à instituição do casamento sancionado pela Igreja. A regra era a ilegitimidade, fruto de uma promiscuidade da qual resultou a ampla mestiçagem da população setecentista – essa é a verdadeira marca registrada e o grande legado da Minas colonial. Hoje já se sabe que, na verdade, entre a população livre, a legitimidade era a norma desde os anos iniciais do povoamento e que muitos libertos e escravos também constituíam matrimônio. Mesmo assim, como revela a rica documentação gerada pelas visitações inquisitoriais que varriam os quatro cantos da capitania do ouro, as uniões conjugais irregulares eram bastante comuns ao longo do século XVIII mineiro e contribuíram de forma decisiva para a já destacada mestiçagem. Com efeito, a importância das uniões informais no processo de mistura de cores, origens, etnias e culturas é um dos pontos principais da argumentação desenvolvida nesta obra de Igor Santos. Ao perscrutar as relações “ilícitas” denunciadas aos inquisidores e, portanto, sujeitas à investigação por parte desses clérigos encarregados de impor uma normatização à vida devassa de incontáveis residentes da capitania mineira, o nosso autor propõe entendê-las como arranjos verdadeiramente conjugais, formados propositalmente por casais que, por alguma razão, não conseguiam contrair o matrimônio dentro dos preceitos tridentinos. Igor Santos leva o leitor a uma realidade na qual tais uniões concubinárias, apesar da repressão eclesiástica, poderiam durar por uma vida inteira, sobreviver à itinerância típica da sociedade mineradora e, mais importante ainda, serem marcadas por afeto genuíno, às vezes até comovente. É a realidade de uma nova corrente historiográfica bem representada pela presente obra. Douglas Cole Libby História/UFMG