Aquela branquela era muito bonita” reconheceu, um pouco contra- Ariado. Ele aprendera, com os gringos, a reconhecer a beleza do povo
negro, a de sua mulher, dona Veridiana, a de sua filha Cecília, de
suas netas Anete e a Galega, tudo gente linda, ainda que a feiura e a lindeza
não escolhessem raça, reconheceu, enquanto a doutora o cumprimentava como se
realmente estivesse contente em encontrá-lo. Reparou: a menina o encarava
com dois olhos arregalados de coruja assustada, ainda que soubesse disfarçar sua
atrapalhação, observou, vestida de branco, ela fingia segurança, também
pudera, era doutora, médica, e os médicos costumam se achar parente próximo
de Deus, pensou irônico.
Depois de perguntar sobre os remédios, comida, sono, a doutora indicou
que se assentasse na maca e tirasse a camisa.
Enquanto ela auscultava seu pulmão e seu coração, ele voltou a pensar,
sim, os médicos se julgavam acima do bem e do mal, igual ao que ele pensava
antes, muito antes, na época quando descobriu a verdade brilhante e a
explicação inteira para a condição humana, para tudo, na doutrina do partido
comunista. Até que fora proveitoso, um preto pobre de maré-maré, da roça, e
comunista. Mais de quarenta anos pra trás, mil novecentos e cinquenta e algo,
os pregadores do partido pareciam profetas, que nem os evangélicos daquele fim
de século, que nem sua netinha, a Galega. Os comunas de antigamente tinham o
mesmo brilho nos olhos, o mesmo jeito confiante e brusco de lidar com os outros. . .
Qualquer pessoa, todos, eram apenas alguém a ser convertida para a causa.