Normal e comum não são o mesmo. "O normal nada mais é do que o padrão prevalecente", escreve Mary Russo em 'O grotesco feminino'. Em vez de buscar a normalidade, a crítica literária e professora universitária realiza uma topografia do corpo (e da imagem) feminino, inúmeras vezes associada ao grotesco. E, a partir daí, observa como são construídas as identidades e sugere novos modelos para relações sociais, inclusive entre os gêneros. A própria autora considera a experiência com o grotesco algo claustrofóbica. Em sua origem etimológica grotesco deriva do italiano grottesco, termo utilizado para descrever as cavernas e subterrâneos descobertos durante as escavações de Pompéia e de Herculano, no século XV. "Como metáfora do corpo, a caverna tende a se parecer (e, no sentido mais grosseiro, identificar) com o corpo feminino anatomicamente cavernoso", diz a escritora. Através dos textos de Sigmund Freud, Mikhail Bakhtin, das fotografias "bulímicas" de Cindy Sherman, da literatura pós-moderna de Angela Carter, e dos filmes de Ulrike Ottinger e David Cronenberg, Mary Russo analisa o grotesco na cultura, sem catalogar figuras grotescas ou buscar seu modelo ideal. Entretanto ela própria se vê obrigada a citar alguns dos estereótipos do grotesco: a Mulher-Barbada, a Medusa, a Bruaca, a Dona Gorda, até a associação do grotesco com as próprias feministas, das suffragettes às megeras queimadoras de sutiãs. "E podemos começar uma extensa lista que acrescentaria a estas curiosidades e aberrações aquelas condições e atributos que associam estes tipos com desvios sexuais e sociais contemporâneos, e os problemas femininos aparentemente mais comuns com processos e partes do corpo: doença, velhice, reprodução, não-reprodução, secreções, caroços, inchaços, perucas, cicatrizes, maquiagem e próteses." Intrigante alternativa para a tolerância à heterogeneidade, 'O grotesco feminino' é um livro fundamental para a compreensão do imaginário contemporâneo.