Quando chegou ao poder supremo, nos primeiros meses de 1933, Hitler apresentava-se como a encarnação da vontade unânime dos alemães. Vencedor nas urnas, bem relacionado no mundo da indústria e das finanças, o líder nazista rapidamente tratou de caçar seus adversários de esquerda e de conquistar os círculos influentes que ainda resistiam ou hesitavam, em especial na cúpula das Forças Armadas.
Sabendo manipular como ninguém o oportunismo e a convicção alheia, o ditador não demorou a ter êxito também nessa campanha. Com seu ambicioso programa de rearmamento e seus planos de expansão territorial no Leste, Hitler logo pôde contar com a colaboração de inúmeros generais oriundos da velha nobreza militar prussiana na formação da colossal máquina de guerra que foi a Wehrmacht nazista.
Se tudo isso é bem sabido, menos conhecida é a história dos que lhe disseram não. Foi o caso do barão Kurt von Hammerstein-Equord. General de infantaria e comandante do Exército alemão de 1930 a 1934, ele resistiu a todas as abordagens de Hitler e se manteve fiel a si mesmo, a suas convicções, mas, sobretudo, a uma visão cosmopolita do futuro da Alemanha. Essa obstinação, que acabou lhe custando o posto, agora lhe vale a atenção de um dos maiores nomes das letras alemãs, o poeta e prosador Hans Magnus Enzensberger.
Neste relato de gênero indefinível, Enzensberger dedica-se com cuidados de historiador e liberdades de poeta a traçar um perfil de Hammerstein e de sua família sui generis, bem como de grandes nomes da política alemã. Pois esse general prussiano tampouco lembra o pai de família convencional: suas filhas e seus filhos vivem intensamente os últimos anos da República de Weimar, interessam-se por todo tipo de orientação heterodoxa e, quando a situação se radicaliza, engajam-se a fundo no movimento comunista, na Resistência alemã ou mesmo na espionagem soviética. Tudo sob o olhar discreto mas atento de um pai singular, para quem "o medo não é uma visão de mundo".