Em certo lugar, Georges Gusdorf, tratando sobre as controvérsias filosóficas em torno do conceito de liberdade, disse que uma história da filosofia realmente objetiva partiria, em tese, de um levantamento dos significados dos termos filosóficos e das mudanças e nuances que adquiriram ao longo do tempo e espaço; pois, afinal, valendo-se dos mesmos vocábulos, os homens afirmam coisas bastante diferentes. Partindo dessa intuição, o filósofo francês explora as dificuldades e por vezes a impressão de esterilidade dos debates acerca da liberdade, a qual visivelmente constitui, desde há muito, uma das ideias centrais e um dos valores motrizes do Ocidente. Com efeito, quase todas as guerras, revoluções e movimentos sociais nos últimos séculos ostentam concepções antagonistas de liberdade, embora, como testemunhamos, nenhum deles jamais ousou pôr-se como seu adversário. Defrontando, pois, os lugares-comuns, Gusdorf nos lembra que, não obstante o espaço mental do Ocidente ter-se originado de um amálgama do patrimônio mítico da cultura helênica e romana e dos dogmas e valores introduzidos pela revelação judaico-cristã, essas representações sempre se mostram apenas fragilmente compatíveis entre si; daí as dificuldades (e provisoriedade) dos sistemas e arquiteturas filosóficos que tentaram uma conciliação derradeira entre essas diversas fontes. O filósofo move-se, portanto, nesse emaranhado, buscando precisamente os significados e intenções de quem invoca a liberdade. Não é certamente tarefa fácil; no entanto, esse empreendimento intelectual tampouco é inútil, pois uma história da liberdade é também uma história da cultura.