Na Universidade de São Paulo, o nome de Ruy Coelho tornou-se não só uma lenda, como o próprio sinônimo do grande professor, no sentido de mestre que sabe manter um diálogo vivo com seus alunos, transmitir-lhes os seus ensinamentos, o nexo de suas pesquisas e, sobretudo, o espírito de suas inquietações e indagações. Mas a expressão escrita desse trabalho e legado ficou relegada à obscuridade, por razões ligadas à personalidade do autor e ao extremo rigor com que pautava as suas manifestações em livro, quase como um contrapeso à extraordinária aura de suas verbalizações em aula. Assim, ao reunir a sua obra, a Sociedade Científica de Estudos da Arte - CESA - e a editora Perspectiva, mais do que render um preito à memória de Ruy Coelho, prestam um serviço ao debate intelectual da cultura brasileira. Indivíduo e Sociedade na Teoria de Auguste Comte é uma contribuição desse gênero. O interesse dessas concepções, no contexto de seu impacto no processamento das ideias filosóficas, sociológicas e políticas em nosso país, não precisa ser aqui ressaltado, e sim o exame do pensamento daquele que é considerado o marco fundador da escola positivista. À sua luz, o analista percorre os conceitos seminais de sociedade, cultura e formação de personalidade, que serviram de base para o estabelecimento da ciência sociológica. Mas com o conhecimento que lhe é peculiar, o pensador e crítico paulista não os estuda apenas em seu quadro de origem, como no destino que tiveram posteriormente, desde dois dos mais notáveis discípulos da proposta comtiana, Émile Durkheim e Marcel Mauss, até Lévi-Strauss e Wittgenstein, sem esquecer as suas ramificações nas teorias da psicanálise freudiana. Surge daí o desenho da essência doutrinária do positivismo e de seu movimento de extravasamento e de sua dinâmica de relacionamento com uma linha de pensadores que marcou a história das ideias e os seus confrontos em busca da verdade ou das verdades chamadas científicas ou filosóficas da contemporaneidade.