INSTANTES DE MIM

"Ler os poemas de Daniele Kazan é como estar em meio à obrigação de conversar com todas as pessoas que estão num mesmo ônibus, rumando para algum lugar. Seus eu-líricos mais parecem vozes com as quais nós, com o mínimo de liberdade, podemos interagir - mas não é isso mesmo o que é a poesia? Um meio de comentar algo para o qual não estamos preparados como leitores, mas que a poeta (ou o poeta) coloca-nos em face? Quase não é possível pular um poema. Abrir o livro significa começar um diálogo. Não se trata de uma conversa agradável - a abordagem dos temas, por vezes, perturbam a compreensão do leitor -, mas a sedução das formas escolhidas como expressão colocam-nos numa posição muito aprazível. Os poemas dessa coletânea necessitam de nossa resposta. São argumentações hábeis de uma poeta que, talvez, deseje incomodar os leitores. Não creio que a questão aqui seja o tão famigerado choque, não se trata disso. A linguagem simples, as mudanças de tom, os ritmos por vezes desconexos revelam uma autora preocupada em refletir sobre temas e esboçá-los com eu-líicos que ora sussurram nos ouvidos, ora gritam a plenos pulmões, ora realmente escrevem. São movimentos que precisam de três posturas diferentes do leitor. Os instigantes poemas possuem, é claro, vários pontos de conexão. O mais curioso é a relação desses textos com o mar. O mar, nos poemas, revela-se uma poderosa arma polissêmica que serve ao propósito inicial de desconcertar a leitura, mas serve também para a reflexão do que seria, afinal, o mar para a autora. Ao fecharmos o livro, ficamos com uma dúvida: "Sabemos muito sobre o mar, mas o que ele é realmente?" Talvez, essa dúvida possa ser transposta para o livro em si: "ficamos perplexos com o poderio de imagens e questões levantadas por Daniele, mas a qual conclusão chegaremos após a leitura?" Talvez, a única grande conclusão a que podemos chegar é que a poesia ainda é um grande artifício para a transformação dos homens." Prof. Dr. Thomaz Pereira de A. Neto (UERJ)