Enquanto símbolo do qual uma sociedade faz uso para falar de suas fantasias, o corpo não é feito apenas de carne, de natureza, mas também é moldado pela palavra, pela cultura. É por isso que A Instrumentalização do Corpo, iniciando sua incursão nessa temática a partir da Renascença, investiga os modos através dos quais o verbo científico e as técnicas a ele associadas – isto é, os discursos, no sentido foucaultiano do termo – contribuíram para a mutação gradual das representações do corpo e para a transformação deste em um instrumento racional.
Inicialmente, num primeiro estrato, através da anatomia e da ginástica, o corpo deixará de ser feito pela mão divina ou da natureza, passando à condição de corpo "artesanal", obra da mão humana. Em seguida, uma segunda camada do discurso irá modificar a epistémê, formalizando um corpo mecânico, manufaturado e simultaneamente produtor. Um terceiro estrato engendra o corpo maquínico, através dos discursos de Sadi Carnot, reinterpretados por Gustave-Adolph Hirn, que extrai todas as consequências filosóficas e práticas da teoria da termodinâmica e viabiliza a inauguração das ginásticas energéticas e dos esportes tradicionais. Uma quarta camada discursiva se origina das teorias da informação e fabrica, ao mesmo tempo, um corpo semiótico e as práticas esportivas coletivas, nas quais a informação domina.
Enfim, o posfácio brasileiro da obra, vinte anos após a sua primeira publicação, mostra como, em contraposição às teorizações atuais acerca de um "homem aumentado", o que experimentamos é um corpo robótico, híbrido, e, sobretudo, um "homem diminuído". Ele é produzido pelas diversas próteses (máquinas), substitutas dos elementos corporais naturais. Se, de fato, a máquina é aperfeiçoada ao fazer-se corpo, em relação a ela o corpo e, portanto, o próprio homem, são diminuídos.
JACQUES GLEYSE