Os asfaltos estão rachando, reclamando por outras rodas. Pessoas vão de sungas e biquínis até o centro da cidade e inauguram o mar da cidade sem mar. Deixaram um casarão às moscas e ele foi ocupado por jovens. Há uma artista plástica vestindo árvores com tricô, e grafites contornam o concreto cinza com cores vibrantes. E diante de uma cidade de pele arrepiada, qual o motivo de fazer teatro se não for para que ele habite a linguagem do tempo, as novas formas de viver a paisagem, de acordar a cidade? Um teatro tece-se neste contexto e, em 2012, nasce um dos projetos de maior relevância para a produção teatral contemporânea de Belo Horizonte: o Janela de Dramaturgia. A rápida consolidação do evento revelou a urgência por um espaço consistente para a reflexão da relação entre teatro e dramaturgia e, já em sua primeira edição, um público sedento por uma fina escuta se reuniu em torno de vozes na forma de escrita dramatúrgica. O Janela de Dramaturgia desconstrói a ideia do labor dramatúrgico como algo inabitável pelo outro, exclusivamente íntimo, e dá vasão à possibilidade de o dramaturgo esculpir seu trabalho no tempo e espaço coletivizado. O Janela de Dramaturgia também revela que a leitura pública de um texto é tão potente quanto a realização de um espetáculo cênico, e não nos deixa esquecer, através de seus procedimentos de extrema simplicidade, que o ato teatral realiza-se essencialmente com poucos elementos. A ideia de um encontro cuja matéria-prima é o estado de escuta de dramaturgias (em todas as suas dimensões) evidencia o próprio acontecimento teatral. Seu formato é uma evidente herança das experiências colaborativas nas quais artistas e coletivos mineiros se engajam há quase duas décadas: é uma arena que levanta vozes para serem ditas através da ou sobre a dramaturgia. Vinícius Souza e Sara Pinheiro, idealizadores deste projeto, formaram-se em um teatro belo-horizontino que buscou na voz autoral o reconhecimento de uma realidade com novas poéticas. Lembro-me de quando pediram abrigo para o início do projeto no Teatro Espanca! (depois, outras parcerias foram feitas). Ali reunidos, estávamos diante de um projeto que daria um chão concreto para a dramaturgia fervilhante da cidade. Está aqui a primeira coletânea de dramaturgias apresentadas. E nosso tempo já está esculpido na atemporalidade.