O Avant-garde jazz, ainda que remeta à sensação de total improvisação, desenvolve uma linha narrativa sobre uma base musical preestabelecida, sobre a qual a improvisação é então elaborada. Há determinados casos em que a improvisação faz mesmo parte da composição original, nota por nota. A “orquestra do caos” que toca na mente de Paulo Monteiro associa-se à essa linha narrativa, fértil em elementos, que provoca uma sensação vertiginosa de símbolos, metáforas e personificações: erupção de (auto)imagens(?): Ginsberg, Kafka, Dionísio, Frankenstein, Roberto Piva, Van Gogh, Milles Davis, Nero: como “visões do fim da tarde”, esses nomes aglutinam-se com sensações paradoxais da experiência, ora com a escrita (“meus versos são cânticos para o demônio pessoal”), ora com experiências bizarras (“meu primo morreu asfixiado com um osso de frango”), seja através da tragédia amorosa (“teu amor morrerá em breve nos teus doces delírios”), ou da fantasmagoria da memória (“agora o espectro derruba as panelas da minha mãe”): o jogo rápido das imagens (centro atrativo do livro), os saltos temporais e a colagem das situações banais se conjugam em um pano de fundo absurdamente realista: os versos curtos dão um efeito de celeridade e voracidade frente às imagens construídas, amalgamado com o absurdo e uma certa sedução nonsense que supera qualquer limite. É realmente contagiante a leitura. Os cortes que Paulo compõe privilegiam uma linguagem delirante, em aceleração constante, porém dilatando sentidos que não se cristalizam na sensação. Em alguns momentos, o jogo de palavras enriquecem o texto, pois quebra a expectativa de uma sequência apriorística. Como a linguagem dos textos está muito relacionada à velocidade do pensamento, a cinemática dos versos é representada através da expressão mais selvagem e/ou natural do pensamento, a mais genuína possível. As improvisações que Paulo executa, nota por nota, conflagram uma concepção dinâmica, kafkiana e absurdamente poética da experiência moderna: alucinação das palavras: rebento de um impulso criador provocador: o poeta em sua meditação de fúria lírica, dedilha versos como se o poético Sun Ra ou o meteórico Ornette Coleman se apresentassem para uma plateia composta por personagens de Fellini. Jazz para rinocerontes é uma combinação ácida de experimentos imagéticos pela sua radicalidade e singularidade: verve demolidora, alucinações sintáticas e magnetismo do caos. Logo, a linha melódica dos versos de Paulo Monteiro é coesa em sua multiplicidade de combinações, como no Avant-garde jazz.Texto de orelha escrito por Madjer de Souza Pontes