Foi nesse passo que eu saí da minha aldeia... E assim, de Angola trouxe o dendê e entrou na mata, pegou a folha, cantou e se encantou no ngunzo do inquice africano, que juntou com o caboclo que é brasileiro. Porque: “meu pai é brasileiro, minha mãe é brasileira, o que eu sou, eu sou brasileiro”. Sim “brasileiro imperador”. Joãozinho da Goméia misturou Matamba, Mutalambô e caboclo Pedra Preta ao Barravento e ao Samba de Caboclo. Ele viveu a única maneira de ser afro-brasileiro, que quer dizer plural, diverso, dono do seu corpo. E isso ele soube mostrar no candomblé com a muzenza, com a roupa sagrada, com a menga no peji; e com esta mesma sacralidade e liberdade viveu o samba, o carnaval, pois nada é mais sagrado do que a afirmação do desejo, da sexualidade, e de ser “Tata-inquice”. A fala aberta e ampla de Joãozinho trouxe novos sentidos para o que é santo, porque são muitos e diferentes santos. E esta busca pelo santo que é inquice misturado com santo da Igreja, expõe-se no mesmo entendimento de que Matamba é Santa Bárbara, que santo é caboclo que está na natureza, no bicho, na mata, na água. O caboclo é um santo ecológico. Sem dúvida, Joãozinho manteve as memórias que identificam a civilização Bantu nas suas tradições do candomblé Angola. Ele recuperou as memórias do modelo do candomblé de caboclo baiano. Ele trouxe do samba urbano carioca outras memórias que se uniram às demais memórias, todas experimentadas neste sentido de beleza afro, estética que marca as memórias construídas e transmitidas por ele no candomblé e na festa pública do carnaval. Joãozinho mostrou que o sagrado é carnal, é vida, é sangue, e que o divino é humano. E com este meu relato, homenagem a Joãozinho da Goméia, louvo todos os sagrados, todos os desejos, todas as linguagens do corpo que manifestam ludicidade, fé e alteridade.