A última década do século XX assistiu a uma série de modificações do sistema processual penal na América Latina. O contexto político favorável à expansão das franquias democráticas - de que as constituições nacionais garantistas foram a manifestação política mais eloquente desta quadra histórica – criou o ambiente político-legislativo que permitiu a edição de normas transformadoras do perfil e da vocação do processo penal. Fruto desta onda reformista, nasceu a Lei nº 11.719/2008 cuja inseminação parlamentar pelo Poder Executivo se deu com o PL 4.207-E de 2001. Foi uma longa gestação: sete anos de fluxos e refluxos. Ao final, sancionada para atingir objetivos primordiais: racionalizar o sistema processual penal, conferindo celeridade ao procedimento sem afetar o direito à defesa e os meios que legitimam a sua amplitude. No fundo, como dito, a necessidade de se modernizar o processo penal, introjetando-lhe componentes de um modelo autenticamente acusatório: simplificação procedimental, oralidade, MP como parte, garantias da defesa com sua efetividade, imparcialidade judicial e proibição de provas ilícitas. Não há como dissociar este ímpeto reformista de dois diplomas jurídicos internacionais: a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Código de Processo Penal para Íbero-América. Ambos constituem a pedra fundamental sobre a qual se erigiu o movimento de reformulação do modelo de processo penal. Qualquer esforço de interpretação normativa requer a prospecção em várias dimensões do percurso de aclaramento. Busca-se a inspiração que gerou a iniciativa do proponente do projeto de lei (no caso, o Poder Executivo Federal), a natureza política dos debates legislativos, o direcionamento ideológico na luta interna no parlamento, o impacto social das mudanças projetadas, a construção doutrinária e jurisprudencial superveniente à edição da norma, a análise de sua aplicação na práxis forenses e outras variantes inerentes à complexidade da vida social. A revelação do conteúdo de uma norma é uma construção gradativa da doutrina que forma a rede de proteção legitimadora para os protagonistas do processo assumirem suas escolhas. A obra que me honra prefaciar é daquelas que objetivam transformar a realidade. Não é, pois, esforço de erudição estéril que só se revela útil para agigantar bibliotecas. É livro de ação, de realização, de transformação. Carlos Reis é um escritor, além de Jurista. Sua trajetória profissional é daquelas que incorporam na palavra militância o significado da luta em várias frentes. Foi Presidente da subseção de Chapadão do Sul da OAB/MS, cronista, advogado e estudioso do Direito. Saramago dizia que escrever é uma necessidade, uma exigência, uma forma de intervenção. Confessou-me o autor a sua intenção com o livro: oferecer ferramentas teóricas para que o acusador acuse melhor, o defensor defenda melhor e o julgador julgue melhor. Desconfio, porém, que haja outro sentido na decisão que animou Carlos Reis a dedicar seu tempo à reflexão do tema.