A magia que eterniza uma obra como Ligações perigosas (1782), de Pierre-Ambroise-François Choderlos de Laclos (1741-1803), está em sua atualidade através dos tempos, em sua universalidade e em sua capacidade de postular com antecipação conceitos apenas muito mais tarde consagrados, nesse caso, as ideias de Freud. A primeira edição, de 1782, com dois mil exemplares, esgotou-se em apenas duas semanas; seguiu-se nova impressão e, naquele ano, houve quinze (!) edições piratas. “Nenhum romance dos tempos atuais”, escreveu um contemporâneo, “teve sucesso tão estrondoso.” Naquele tempo, o sucesso da obra foi considerado como “escândalo”, tanto chocaram as maldades e as motivações psicológicas mais que mesquinhas da Marquesa de Merteuil e do Visconde de Valmont em suas conquistas amorosas. [...] Um aspecto das qualidades de escritor de Laclos que escapou à crítica do momento foi a poderosa ironia com que retratou as motivações emocionais mais profundas de seus personagens ou os costumes e as instituições de seu tempo, como, por exemplo, a própria religião, a educação das mulheres, o casamento, a caridade e as relações familiares e corteses. Se essa ironia mostra um mundo tenebroso, sobretudo aos olhos dos seus contemporâneos, é também cheia de vida e encanto e, assim como mantém nosso interesse pelos “horrores” que vão acontecendo pouco a pouco até o abrupto e enigmático desenlace, tem também a capacidade de deixar tudo em aberto. [...] O libertino Laclos seria finalmente consagrado cerca de 170 anos após a publicação de sua obra, quando passou a ser considerado um “clássico” de leitura obrigatória nas universidades francesas. As contínuas adaptações de Ligações perigosas – como ópera por Claude Prey (1974 e 1980), como peça para a televisão por Charles Brabant (1982 e 1985), e para o teatro por Heiner Müller (1985) e Christopher Hampton (1988), e como filme por Stephen Frears (1988, baseado na peça de Hampton) e Milos Forman (1989), e outras mais – comprovam a vitalidade e o apreço dessa obra nas últimas décadas. Trecho do posfácio de Fernando Cacciatore de Garcia