Da euforia à disforia, do contentamento ao impasse, do impasse à tragédia ou à melancolia paralisante: é do fulcro do mal-estar — a feliz definição sob a qual se reúnem os afetos desprazerosos — que Pedro Furtado mobiliza as questões literárias, culturais e políticas que norteiam a estruturação de um espírito do tempo desencantado nas nossas letras, prenunciando a noção de subdesenvolvimento brasileiro. Para além de mostrar a formação da tristeza e das balizas teóricas arregimentadas para estudá-la (emanadas da filosofia e sobretudo da psicanálise freudiana), o eixo central de Literatura brasileira e mal-estar é a análise interpretativa profunda, e rara atualmente, do tecido enunciativo dos romances estudados. É de tal ato crítico que resulta a originalidade do texto. No capítulo acerca de Calunga, de Jorge de Lima, o autor consegue explorar as diferentes camadas de conflito do romance e, assim, indica como é engendrado o fracasso total da personagem principal. Nas páginas sobre o canônico romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, Pedro Furtado aponta no nascimento do amor, mais do que em certos determinismos sociais engastados na fortuna crítica marxista acerca dessa narrativa, a grande chave para desvendar a melancolia de Paulo Honório. Na parte sobre O amanuense Belmiro, romance escrito por Cyro dos Anjos, o crítico analisa como a mente fantasista e nostálgica de Belmiro cria impasses insolúveis em relação à sua vivência, ou a falta dela, no tempo presente. Este livro, corajoso, muito bem escrito e que chega para suprir algum hiato crítico relativo à representação da negatividade na literatura brasileira, serve tanto para os curiosos acerca do mal-estar e de suas figurações como também para os estudantes de literatura à procura de uma abordagem singular acerca do nosso sistema literário.