Foi mesmo assim que começou a literatura cantada de caráter popular, nos papéis dobrados, pliegos da tradição ibérica, pendurados nos barbantes das feiras, versos à voz de cantadores e de seus instrumentos de corda. Folhetos, com xilogravuras, a modo de ilustrar o que se contava. Esta preciosa pesquisa recorda, por um lado, uma história, memória e vozes de cordelistas que traçaram os caminhos desta poesia em diálogo com narrativas da tradição épica e medieval, consagradas na oralidade ou na escrita, em fabulação ajustada a suas circunstâncias de tempo e espaço, isto é, aos acontecimentos que lhes afetavam. Por outro, investe na análise de obras clássicas recorrentes na produção cultural contemporânea do gênero, de Quixote e Shakespeare a contos de Ricardo Azevedo e poesia de Ferreira Gullar, para citar nossos escritores. Impossível ignorar o recurso a esta linguagem na apresentação a jovens leitores ou mesmo neoleitores, de obras originalmente complexas, que delas podem se aproximar com gozo e interesse por conta da musicalidade batida a palo seco e um certo jogo de humor crítico presente nas rimas, com certeza retomados no funk, hip-hop e outros gêneros que a periferia vem trazendo ao centro. E não só por disponíveis na internet, onde há sítios mantidos, inclusive, por vozes femininas, as narrativas em cordel são oportuna estratégia para recepção de obras literárias, se levadas com a seriedade que aqui as tratam os estudiosos, liberados de preconceitos que já não cabem na universidade, nem nas escolas. O livro, ademais, é de uma leitura fluente, o que deleita e instrui, no melhor estilo do que a pedagogia sadia propõe. E reconhece que literatura, como toda arte, não se reserva a intelectuais, mas nasce e se destina ao reconhecimento de si pelo público. (Eliana Yunes)