“É possível pensar musicalmente?” A questão colocada por Ricardo Nachmanowicz no início de seu livro pode ser considerada “clássica” em dois sentidos: tanto o é porque sempre retorna em toda estética da música, tornando-se a pedra de toque para a avaliação da fecundidade das respostas, como também porque, do ponto de vista formal, ela somente adquire sentido pleno, na tradição da música ocidental, a partir do período clássico ou, mais precisamente, entre este e o período romântico. Não é por acaso que os autores aos quais Nachmanowicz dedica seus esforços sejam Eduard Hanslick e, sobretudo, Kant. Ao primeiro, coube o reconhecimento de que “o ouvir atento” que caracteriza a apreciação de formas musicais tem um componente vinculado ao entendimento, uma condição singular que se mostra na medida em que se oculta: tudo ocorre como se a apreciação se fizesse de modo imediato, no estrito deixar-se levar pela sucessão das ideias musicais, conquanto esse abandono ao sentido das formas sonoras dependa, criticamente, de uma complexa operação do entendimento, o que significa que se dá de modo mediado (um passo que a noção de “ideia musical”, evocada por Hanslick, já indica). A Kant foi legada, por Nachmanowicz, a tarefa atlante de esclarecer essa condição da significação musical, uma tarefa que se desdobra na pergunta acerca da possibilidade de uma epistemologia da música...