"A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão. Começo a suspeitar que é um continente:" foi essa a provocação machadiana, presente em O Alienista, que Igor Morais da Silva escolheu para abrir a obra que ora vem à prensa. Não poderia ser ideia mais acertada. Isso porque o jovem historiador, no estudo que é fruto de seu mestrado em História, nos conduz por esse espaço continental tendo como destino desvelar a relação entre a psiquiatria e o espiritismo no Brasil entre as décadas finais do Oitocentos e a autora do século XX. Como bússola, toma a interrogação que dá título ao livro – Louco ou obsedado? – para explorar como se pavimentou a compreensão social das pessoas que se enquadravam entre esses dois qualificativos: das primeiras instituições psiquiátricas no Brasil à introdução do espiritismo nas práticas médicas; das diferentes teorias sobre a loucura, como a eugenia e a degenerescência, à recepção dessas ideias pela sociedade brasileira em um período de transformação social e científica, Silva demonstra que os caminhos desse trajeto não são lineares. Munido de documentos rigorosamente selecionados para dar pistas sobre as narrativas e instituições plurais alvejadas, Silva analisa como esses discursos conflitantes foram recebidos pela sociedade brasileira, que buscava respostas não somente para questões de saúde mental, mas para profundas questões sociais. Ao olhar para os contornos dados à loucura, ele mapeia comportamentos, valores, práticas e anseios que se mostravam, ao fim e ao cabo, científicos, sublinhando que as fronteiras entre uma ou outra compreensão foram, na verdade, importante terreno de disputas. Louco ou obsedado? As narrativas da loucura no confronto entre a psiquiatria e o espiritismo no Brasil (1883-1927) apresenta um interessante e pouco explorado terreno desse vasto território que é história da saúde mental no Brasil, e passagem privilegiada para compreender como ciência e espiritualidade se confrontaram e se influenciaram mutuamente na constituição de um saber sobre os corpos e sobre a sociedade.
Profa. Dra. Ana Carolina de Carvalho Viotti