“Queria compreender por que renunciei, por toda minha vida, a pensar por mim mesma, a decidir meu destino. Por que me devotei completamente a uma vida e à execução de uma obra que não eram minhas.”
Essas são as questões que se impõem a Martha, a viúva de Sigmund Freud, ao longo da correspondência que, no fim de sua vida, na solidão de seu exílio em Londres, ela troca com uma jornalista americana. Ao confiar a essa estrangeira a narrativa de sua existência, Martha passa a ver sob uma nova luz os 53 anos passados à sombra do grande homem. Aquela que os biógrafos de Freud retrataram como a melhor das esposas percebe, pouco a pouco, a medida de sua submissão. Devia aceitar apagar-se ao lado do marido, diante da irmã e da filha caçula? Era preciso, para agradá-lo, que ela renunciasse à sua religião? Nicolle Rosen, escritora e psicanalista francesa, dá voz a quem sempre se conformou com o silêncio, permitindo que Martha se deite pela primeira vez no divã. Passando a palavra a Martha, este livro faz dela uma testemunha privilegiada da vida de Freud em primeiro lugar – de quem ela traça um retrato sem complacência –, da invenção e do desenvolvimento da psicanálise e ainda de um tempo que viu mudar a face do mundo. Pouco a pouco, vai-se revelando o ego gigantesco de seu marido, que se ressentia da menor demonstração de autonomia por parte de seus alunos e familiares. Mas este livro é, antes de tudo, um trabalho de memória, comparável à psicanálise, que permite ao sujeito enfim falar de si.