'Mal-estar e Moralidade' continua a linha ético-negativa de reflexão moral iniciada por Julio Cabrera no Projeto de ética negativa e continuada em Crítica de la moral afirmativa e em numerosos artigos. A ideia central da obra é que os humanos são colocados pelos seus progenitores numa situação atritada e perigosa, sempre ameaçados pela dor e pelo desânimo, situação impossível de resolver com categorias puramente morais. Esse fenômeno é chamado de “inabilitação moral”. A partir desse “mal-estar” estrutural, os humanos reagem de maneiras agressivas diante dos outros humanos, dos animais, das coisas e do meio ambiente, numa busca incessante de sobrevivência e de autovalorização. Ataca-se, assim, a tese corriqueira de uma “maldade” intrínseca dos humanos; sua infelicidade e agressividade não provêm de um “interior perverso” (como nos esquemas religiosos, nos quais um mundo bom foi estragado pelas ações dos humanos), mas dos atritos da situação estrutural em que foram colocados. Ações moralmente boas acontecem, mas nunca o são totalmente, e sempre como mérito pessoal dos agentes. Nesse sentido, os humanos não estragam o mundo, pelo contrário, tentam melhorá-lo, fracassando pelos limites da sua finitude. Tudo isso fornece as bases filosóficas para uma ética e uma bioética negativas que partem da “inviolabilidade negativa” de cada ser humano, do respeito ao outro colocado na mesma situação de mal-estar que nós, ética essa que se manifesta numa vida minimalista e disposta para a morte ética em benefício dos outros. Nesse minimalismo baseia-se uma atitude antinatalista de não procriar, pelo fato de a procriação – tanto a intencional quanto a acidental – manipular e prejudicar outros humanos colocando-os na situação estrutural de mal-estar para o nosso próprio benefício. Toda moralidade surge de uma atitude minimalista – austera, heroica e não procriativa – diante da situação estrutural. Além do problema crucial da procriação, o livro aborda também temas correlatos, como aborto, sexualidade, educação e suicídio, tal como interpretados dentro do escopo de uma (bio)ética negativa.