Naquele brando inverno carioca de 1938, Mário de Andrade dava os primeiros passos de uma vida nova. Tinha anunciado à família que saía de férias, mas era mudança mesmo. Precisava fugir de São Paulo custasse o que custasse, embora com o sacrifício de arrostar pela primeira vez, já quase aos 45 anos, o afastamento do convívio materno que o aconchegava.Ir ao Rio de Janeiro ia sempre, com alvoroço de menino. Achava maravilhosa a natureza; a gente o surpreendia e encantava. Cidade enfeada pela miséria, mas rica de humanidade, amava-a à distância, de amor platônico, feito de furtivos contatos. Numa de suas breves temporadas, assistiu ao carnaval carioca. A festa popular inspirou um poema em que botava pra fora sua frieza de paulista , seus policiamentos interiores . No Rio, convivia alegre com amigos escritores e artistas, entrava pela noite em discussões, lia e ouvia poemas nascidos de uma nova estética da qual ele, já conhecido como o papa do Modernismo , era pioneiro. Quem sabe, pensava, não poderia morar lá?Desta vez trazia uma mágoa muito funda, causada pelo naufrágio de um projeto a que se dedicara todo durante três anos, à frente do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo. E essa amargura foi o elemento aglutinador de dores esparsas do corpo e da alma, sorrateiramente acumuladas. Até então costumava dizer, descuidado: Eu sou feliz! . Mas de repente acontecera aquele grande dissabor, que o punha desarvorado diante das armadilhas do destino. Tinha ideia formada: considerava o destino uma conquista, realização perfeitamente controlada de tendências pessoais , e não trama inelutável dos fatos. Agora, desmoronada essa certeza, tudo ficava muito confuso.O jeito foi a fuga, o exílio no Rio.