Formada por três contos alentados – ou talvez novelas breves –, esta matéria bruta se revela como tal por duas vertentes: na própria construção de cada um dos textos e no intertexto que é desenhado entre eles. O primeiro conto, sutilmente político, começa com parágrafos mais curtos, que vão crescendo conforme aumenta a angústia vivida pelo protagonista. Funcionário público afastado por questões médicas, ele vai perdendo partes do corpo enquanto tenta retomar suas atividades profissionais – um terror psicológico de querer voltar a fazer parte de uma sociedade que só tem como função excluir quem não consegue entrar no padrão imposto. A segunda história, que leva o nome do livro, mostra o retorno da protagonista à sua casa de infância, conduzindo a uma imersão psíquica em busca do amadurecimento e da paz. A casa antiga e a mulher, ambas abandonadas, são reconstruídas num único longo parágrafo, seguindo o fluxo de consciência, enquanto as horas passam em completa solidão neurótica. No terceiro conto, uma mulher decide parir em uma cidade pequena em busca de tranquilidade. Sua chegada causa alvoroço, primeiro porque ela é prostituta, segundo porque a criança nasce sem sexo. Sua presença nesse ambiente provinciano causa muito incômodo, mas leva a cidade a uma revolução. O tom irônico faz uma crítica a uma sociedade baseada na aparência, nos bons costumes, na religião e na família. As três histórias podem ser lidas separadamente, mas contêm elementos que conversam entre si. Os pequenos detalhes na construção literária costuram essas vidas que, de tão diferentes, se assemelham: vidas marginais.