A escolha de um pequeno e apagado sacerdote católico para seu detective de eleição é talvez o aspecto mais intrigante da incursão de Chesterton no conto policial. A construção do Padre Brown, homem de Deus, simples, sábio e humano, é tanto mais curiosa quanto o primeiro conto de que é protagonista foi publicado há cem anos, em 1910, muito antes de o autor ter aderido ao catolicismo. Quando, em 1923, Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), jornalista, biógrafo, filósofo e poeta, quis acolher-se à Igreja Católica, já os seus contos circulavam em colectâneas como A Inocência do Padre Brown (1911), que obtiveram grande popularidade. Não por acaso, Chesterton foi eleito, em 1929, primeiro presidente do Detection Club, fundado por Anthony Berkeley. Ao ler estes contos, o sacerdote desajeitado que Chesterton idealizou com o seu ‘grande e puído chapéu-de-chuva, que lhe estava sempre a cair ao chão’, parece de início não ser mais do que uma antecipação do profiler contemporâneo: um observador atento do comportamento humano, um analista de perfis psicológicos, que identifica o criminoso a partir do seu agir e da vítima que preferiu. Confrontado com essa hipótese em O Segredo do Padre Brown, o pequeno sacerdote reage, no entanto, com inesperada energia e explica que esse método, dito científico por muitos, o obrigaria a ‘situar-se fora do homem e a estudá-lo como se fosse um gigantesco insecto’, sujeitando o eventual criminoso ao que o padre «chamaria uma luz morta e desumanizante». Pelo contrário, o seu método, se assim se podia chamar, partia do simples reconhecimento de que ‘estou dentro de um homem. Estou sempre dentro de um homem’. É no interior da sua condição humana que, na verdade, aguarda ‘até saber que estou dentro de um assassino [...]. Até ser mesmo um assassino’.