Nenhum nado é em vão. No sertão, longe do mar, é na solidão das tardes da infância que nos deparamos com os primeiros pensamentos e suposições sobre o tempo: a idade das acácias, a paisagem pela janela, os meninos que não estão mais lá. O ritmo mora na primeira casa, na primeira rua, de onde por mais que escapemos porque queremos mais que anjos, é onde vivemos para sempre. O mar, sem nenhuma segurança, sugere a possibilidade de fuga, uma feroz como é feroz como as pessoas aparecem e desaparecem em nossas vidas. A intensidade das ondas revela a emergência, e a cidade é a própria fuga travestida de concreto, calor e relações imediatas. O ritmo muda, o fôlego não sustenta o pensamento nem o peso dos sonhos. O tempo não espera aos apaixonados. Escadas, supermercados, paredes descascadas do edifício Itália, é difícil sonhar com qualquer possibilidade que não seja a que tocamos todos os dias com nossos olhos. Nadamos de qualquer maneira, acreditamos no universo, no destino, no encontro de amanhã, na dança, na festa, em todos nós quando somos nós, no que ficou no sertão, no que o mar levou, no que a cidade destruiu, no que não aconteceu e no que poderia ter acontecido.Os textos de “Miragem” exigem ser lidos como poemas e como relatos. O pensamento atravessa o mundo das tentativas e possibilidades. Memórias do corpo, flashes da tarde nas quais buscamos soluções, onde o amor é sempre um ato desesperado. Essa liberdade, essa fuga, existe na escrita, mora dentro desse livro.Alexandra Passos